Os lúcidos seguidores

28 de out. de 2012

Catarse de um coração qualquer


               Algumas paredes do seu apartamento eram feitas de poesias, textos, frases e pensamentos que andam na cabeça daquela mulher. Na raiva, no amor, no prazer, na dor e em quase todas as sensações e sentimentos que ela sentia, era um motivo para ela deixar registrado na parede de sua residência. E assim ela vivia cercada dela mesmo em forma de palavras.

20 de out. de 2012

O veneno



            Ela tinha um corpo formado por marcas. Em um sábado a noite, sentada no sofá. Olho no olho. Ele sentado no do outro lado da sala, bebendo o seu whisky. Bebia e ria por dentro. Ela paralisada, apenas assistia o tédio. A raiva sorrateira a comia pelos dedos dos pés. Que pés lindos. O whisky balança no copo esperando o seu fim, no último gole a ser dado. Mulherzinha que nada podia fazer ou não queria. Dado o gole final ela já se levantou, andou nos seus passos marcados, pegou o copo e foi para a cozinha. Ele sempre brincou com ela, ela sempre aceitou todas as brincadeiras de mal gosto. Olhando o copo de cristal encheu até o talo de whisky e virou tudo. Nada como um pouco de álcool para dar coragem. Riu silenciosamente.
            Voltou da cozinha, entregou o copo e sentou-se no sofá. Sorriu um sorriso discreto. Ele logo em seguida se levantou e dirigiu-se a ela. No rosto dela se via nitidamente o auto revelo. Ele se sentou e voltou a olhar para o rosto dela, olhou para o copo, deu um gole, fez uma cara estranha e perguntou:
            – O que você colocou aqui?
            Ela se levantou e andou, agora sem pressa. Pois o pé em seu peito e puxou a gravata. Ele ficou espantado, mas não fez nada, queria ouvir o que ela tinha a dizer. O tempo parou e as palavras saiam em ritmo único.
            - Coloquei o meu veneno.
            E o empurrou. Caiu da pequena cadeira que o sustentava. Ainda antes de partir pode ver por uns poucos segundos. Viu uma mulher sorrindo e deixando escorrer entre os seus lábios o gozo do seu momento. O veneno.

Uma mulher, uma criança



        Ela se dizia mulher, amava o seu marido e fazia todas suas obrigações de esposa. Ao sentar na mesa, sempre fazia aquele sorriso de margarina. Ao comer sempre elogiava o prato do dia. Quando o marido saia, sempre dava um beijinho de despedida.
            Sua vida era quase um sonho. Quase. Quando ficava sozinha em casa, andava pelo corredor com sua fisionomia séria, sentava no sofá e assistia a TV desligada, lavava o seu rosto algumas vezes, alguns até diriam que ali se escondia lágrimas. Quando ela ficava sozinha não tinha nem uma tarefa a cumprir e nenhuma imagem a passar. Quando ela ficava sozinha, abria a sua caixinha de criança e tirava de dentro a sua boneca. Com um laço na cabeça e a boneca na mão, sentava em sua antiga cadeira de balanço que mal a cabia, e ficava ali a se balançar. A casa produzia o um silêncio perturbador e a cadeira chiava. Pelo chão escorria, da pequena cadeira de balanço, sentimentos que muitos desconheciam. Com a porta aberta que dava para o corredor podia se ver, uma mulher e o seu velho laço, que a prendia a um passado. Uma mulher que se fazia ser uma mulher. Uma criança perdida em uma vida de adultos.

18 de out. de 2012

A janela do momento



            Ela fumava na janela como se fosse o último cigarro, olhava aquele céu negro como se ela fosse o próprio. De vez em quando ela olhava para porta para ver se estava aberta, e logo em seguida olhava para sua cama vazia e carente. O cigarro insistia em acabar, os últimos tragos vinham junto com a tristeza. Aquele parecia ser o seu último cigarro. O último da noite ou da vida.
            Não contente com a sua situação, olhou para quarto vazio e se perdeu na monotonia do lugar. Pensou em dormir, mas o seu corpo gostava da dor de ficar acordada. Pensou em escrever, mas não queria dividir com o papel aquilo que ela tinha para si. Um egoísmo. Olhou de novo para a janela e ficou a ver o céu negro. Na fúria do momento, resolveu escrever em suas paredes aquilo que lhe faz viva naqueles minutos de pura solidão. O céu negro agora estava representado em seu quarto. Logo em seguida ela se deitou em sua cama e ficou a noite a venerar o negro que estava a sua frente. Negras palavras. 

Um arrependimento tardio



            Antes de ver o abismo que a separava, ela pensou naqueles segundos sobre sua vida, um resumo de no máximo dez segundos. O corpo pendia para uma só direção, a mente se apagava, para que nenhuma lucidez pudesse atrapalhar o momento decisivo. Ao longe todos a viam, uns gritavam, outros faziam gestos, eram apenas uma plateia de uma drama comum.
            Os prédios de longe a viam como um ser pequeno e intruso naquela homogeneidade. Ao ver o seu destino, aquilo que agora já não podia mas conter, veio o doce arrependimento. O mundo caia e caia, até chegar ao seu fim. O fim que para ela era a sua salvação, que em poucos segundos tornou um erro. A doce menina que se iludiu com o mundo, foi expulsa dele. Ela tinha certeza, nos poucos segundos ela descobriu que suas certezas eram dúvidas camufladas. Uma ignorância, um erro, uma vida, um fim comum e um arrependimento tardio. Logo em seguida o sol se põem entre os prédios. E a escuridão reina na cena trágica